NOSTALGIE

No final do século XIX, a França oferecia luxuosos châteaux, onde cortesãs iluminavam as noites parisienses, esfumaçadas pelo tradicional e peculiar timbre do piano. Os interiores, sempre, misteriosamente alegres e sombrios, aguçavam a protagonista curiosidade. A principal brincadeira era observar o cobrir e o descobrir das plumas e laçarotes que esbanjavam o puro poder feminino. Em meio a luzes coniventes, trapézios bailavam com suas frágeis vedetes num céu inventado pelos mais empíricos e apaixonados impressionistas. Elas fingiam com glamour, dançavam com elegância, vivendo como prisioneiras das fantasias alheias e, também, das suas próprias ilusões.
Em pequenos palácios com mobília nobre, sedas e veludos guardavam secretos desejos dos assíduos frequentadores... Aristocratas, artistas, intelectuais, boêmios e, sobretudo, românticos.
Para os padrões atuais, a maioria das beldades, certamente estaria acima do peso. Porém, como de costume, todas eram habilmente selecionadas e especialmente imaginadas para cada gosto.
Havia excentricidades, banheiras cheias de champagne Juglar, quartos preparados para fantasias pós-renascentistas, corredores sortidos com rolhas que continham a estrela, o círculo e a âncora do tradicional Veuve Clicquot, e, às vezes, janelas com visão unilateral para que o desenrolar da noite pudesse ser observado pelos voyeurs.
Comumente, celebrações estranhas aconteciam para abrir os trabalhos. Uma das lúdicas superstições era encher o penico de uma das garotas com genuíno champagne local, onde, então, todos os presentes bebiam o primeiro gole, passando-o de mão em mão.
Os vestidos e espartilhos eram bastante provocativos em cada uma das camadas que valorizavam essas quase-damas. Os preços variavam de acordo com a retirada parcial ou total da roupa. Por vezes, o clímax acontecia só pelo permissivo levantar de um pequeno e específico corte no pano, estrategicamente des-costurado.
Meninas também participavam dos tais rendez-vous, bastando somente a concessão da família, além do aval dado pela autoridade local, o que as tornavam aptas aos recintos.
Os burgueses faziam pedidos esquisitos e/ou alternativos. Alguns solicitavam jovens do sexo masculino. Sempre atendidos, retribuíam com valiosos presentes. Elas ganhavam pedras preciosas e muitas promessas que iam desde o casamento até a inclusão de seus nomes em testamentos de abastadas famílias tradicionais.
As fantasias sempre fizeram parte da atmosfera. Máscaras e personagens apimentavam e coloriam o imaginário. As irresistíveis fetichistas - por um merecido agrado extra - atuavam como bonecas vivas, gueixas, estátuas, animais, malabaristasouvintes, dançarinas, alunas, contorcionistas etc. Os dotes, digamos, 'artísticos', compunham a alegria de um país que se maravilhava com tantos talentos verdadeiros, como Auguste Renoir, Claude Monet, Paul Gauguin, Edgar Degas e aquele que mais retratou e frequentou esse curioso universo pervertido: o pintor Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901).
No entanto, resta-nos apenas sentir o que a Europa vivenciou e chamou de Belle Époque. Saudações à Mistinguett (Foto/1875-1956), uma das favoritas estrelas do inesquecível cabaré Moulin Rouge.
Saudade de uma Paris que jamais visitaremos.
Vive la France!
Voilà.
José Neto

3 comentários:

Paulo Góes disse...

Meu grande amigo. Me senti como que ciceroneado diante da leitura de seu texto. Verdadeiramente guiado e, por inúmeras passagens ali tão bem relatadas, desejoso de lá estar também. Não dá para comparar com nada que nossa época, tão árida de sofisticações e tão fértil de sortilégios, tenha a nos oferecer. Parabéns, uma verdadeira viagem no tempo. Viva la France!!!!

Anônimo disse...

Seu texto está simplesmente irretocável. Uma obra-prima com a marca que só escritores profissionais de talento sabem dar aos seus trabalhos. Parabéns.

Anônimo disse...

Realmente você descreveu momentos memoráveis aos que viveram pinceladas destas passagens, permeou curiosidades nos que jamais la foram e também marcou com elegância e classe um lugar que é imaginado desta forma, mesmo sem tanta alegria e doçura assim.
Parabéns!

Québec - Canadá