AS CRIANÇAS E OS CACTOS

Caminhava pelo cerrado da Bahia, sob um calor intenso, quando percebi que estava ficando sem água para beber.
Quase um quilômetro à frente, havia crianças sentadas no chão, guardando saquinhos de umbu [fruta local]. Sozinhos, eles esfregavam pedrinhas na terra e imitavam sons de animais.
Como em tantas outras vezes, lamentei por não ter reservas financeiras para modificar vidas.
Perguntei ao garoto: Tem algum lugar onde eu possa colocar água na minha garrafa?
Ele fez um gesto com a mãozinha toda suja e disse: vem comigo que vou te mostrar.
Naquele momento, estava sendo ajudado por uma criatura que precisava de todas as ajudas do mundo.
Sempre que encontro crianças necessitadas, me sinto derrotado.
Segui aquele garotinho pálido, sujo, faminto, por uns 20 minutos.
Chegamos numa casinha muito humilde. Ele chamou a mãe e logo veio o pai que - muito hospitaleiro - perguntou como eu estava.
Respondi que precisava apenas de um pouco de água para encher minha garrafa.
Foi quando este homem falou: Não senhor. Estamos servindo o almoço. Vamos todos comer. Você deve estar com fome, além de querer encher a garrafa.
Aquelas palavras encharcaram meus olhos. Dei um sorriso e abaixei a cabeça para aquele homem não me ver chorar.
Relutei e falei que bastaria um pouco de água. Mas novamente fui nocauteado pela dona da casa que mandou o garoto buscar os irmãos para a única refeição do dia.
Ela disse: Pode deixar sua bolsa [mochila] aí mesmo, meu filho. Eu já vou colocar os pratos.
Eu não queria diminuir ainda mais a comida daquela família. Por outro lado, não podia fazer tamanha recusa, já que eles estavam oferecendo de bom coração.
Enquanto a conversa avançava, as outras crianças chegaram e ouviram a mãe dizer: Todo mundo lavando as mãos.
Fizemos uma fila. A mãe já trazia uma velha panela, toda amassada... E virava um pouquinho de água nas mãos de cada um, para rápida higiene.
As crianças sorriam e se divertiam com minha presença naquela casa de barro batido, coberta com uma espécie de palha.
Diante de uma mesa com cadeiras improvisadas, sentamos e ouvimos o anúncio de que podíamos comer à vontade.
À mesa, dois potes de plástico, seis pratos, duas garrafas com água, copos e várias colheres.
Em um dos potes, farinha. No outro, algo que não soube identificar. Parecia um tipo de abobrinha cortada em pequenos quadrados, levados ao fogo para amolecer e fazer um caldo esverdeado.
Todos com cara de satisfação, enquanto minha cabeça não parava de pensar em como eu poderia auxiliar aquela família, além de sorrir, tentar brincar com as crianças, elogiar os pais e agradecer pelo alimento.
Depois de comer toda a comida que a dona da casa colocou no meu prato, perguntei o que era aquilo que estava tão bom.
Foi a vez do meu coração ficar aos pedaços.
Ela disse: Ah! Meu filho! Aqui, a gente só tem isso, todos os dias. O umbu [fruta] a gente quase não come, guarda pra vender. E os cactos, a gente ferve na hora do almoço.
Meu pensamento gritou em silêncio: Cactos?
Certo de minha incapacidade, orei a Deus! E se minha vida valesse alguma coisa, daria para tirar aquelas famílias dessa vida de miséria extrema.
Depois de ter me fortalecido com a palma do cactos e enchido minha garrafa com aquela generosa água meio marrom, esperei um momento de distração e coloquei uma quantia, equivalente a um belo almoço, sob a imagem de Nossa Senhora que estava no único cômodo daquele lar.
Me despedi das crianças. Enquanto elas pulavam e sorriam, abraçadas a mim, eu chorava e tentava esconder minha tristeza.
Abracei aquele pai e agradeci por tudo que recebi.
Por último, antes de seguir, disse algumas palavras para aquela mãe sofrida, beijei suas mãos maltratadas pela vida e ainda lhe fiz um pedido: "Por favor, assim que eu pegar a estrada, vá até àquela linda imagem de Nossa Senhora e faça uma oração agradecendo pelo nosso encontro".
Continuei minha caminhada, logo depois que ela me garantiu que faria a oração solicitada.
José Neto

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