CONCURSOS S.A.

Domingo não é mais dia de missa na América Católica desempregada, é o dia dos concursos. Certa vez fui fazer uma dessas provas, mas quando cheguei ao local, não sabia se ali aconteceria de fato uma prova, se estavam distribuindo dinheiro, ou se acabara de suceder nova aparição da Virgem de Fátima em pleno subúrbio do Rio de Janeiro. O tumulto estava instaurado! Três horas antes do horário marcado, quase todos os guardadores de carro da cidade estavam mapeando e precificando as vagas da rua.
O mercado é vasto e negociado aos gritos, antes daquela necessária concentração pré-prova. Os berros anunciam a venda de caneta, lápis, borracha, escova de dente, enxaguatório bucal, absorvente, pingado de café com leite, cachorro-quente, refrigerante, pão na chapa, água, camiseta, marcador de texto, óculos escuros, prancheta, quentinha, sorvete, pilhas e até orações para N. Sra. Desatadora dos Nós. A rua se torna um palanque dos horrores, alinhavado pelo desespero dos crédulos e sofridos brasileiros. Ainda encontramos pessoas lendo Machado de Assis, manuais, estatutos, biografias, atlas, editoriais, apostilas, outras provas anteriores, tudo na esperança de uma última injeção de conhecimentos.
Não podemos esquecer de que existe uma forte carga dramática no local. Garotas se beijam como se nunca mais fossem se encontrar, pais desejam sorte e dizem que a promessa foi feita para que o filho finalmente comece a trazer dinheiro pra casa, namoradas dormem no ombro do parceiro, companheiros se abraçam intensamente, muitos olhares proféticos: uma novela.
Lá dentro, começam os comentários e as cenas de humor. Uns dizem que vão "gabaritar", enquanto outros dizem que vão desmaiar.
A coisa parece organizada. Tem supervisor com detector de metais, supervisor de área, supervisor de sala, supervisor de corredor, supervisor geral, supervisor dos envelopes de prova, supervisor de banheiro... Ufa! Quantos caciques! Ainda bem que nosso grupo de índios era bem grande. Enfim, toca uma cigarra ao estilo antigo, daquelas que anunciavam a hora do recreio, e mais outro supervisor avisa que – agora sim – podemos iniciar a bendita prova.
Quatro horas mais tarde, a maioria está com “cara de paisagem chuvosa”, na frente do prédio, esperando um conforto alheio!
Foi um domingo divertido! O que mais me fez rir, depois de todo esse circo, foi lembrar do salário oferecido para - nós - os indígenas que alimentam essa indústria dos concursos, cuja maior promessa é uma possível dignidade profissional.
José Neto

3 comentários:

nilbbabyExclusive disse...

Esse é o "CARA". Eu nunca vi ou li nada que falasse tão acertadamente desses concursos.
Se não fosse trágico pois ali estão todas as esperanças de milhares de pessoas, eu estaria até agora rindo.
Neto, vc. é impagável!!
Adorei! consegui através da leitura visualizar a imagem , perfeitamente!
Obrigada por mais essa!
Beijos
Nilborges

Anônimo disse...

Adorei seu ponto de vista! É isso mesmo! Coisas do Brasil...Abs, Sarah

Anônimo disse...

sempre achei que fazer concurdo publico é legal, realmente alguns passam mas a grande maioria ficará excluída vivendo só da esperança e enriquecendo os donos dos cursos preparatórios para os concursos

parabéns querido ! arrasou mais uma vez

beijosssss